domingo, 27 de abril de 2014

Falta d’água em São Paulo - o colapso previsto chegou

Em outubro de 2005, lá se vão quase 9 anos, publiquei no “Saneamento Básico – O Site”, um longo artigo em que analisei o estágio do interesse da iniciativa privada nas concessões de serviços públicos de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Em 2009, quando assumi meu primeiro mandato na presidência do Instituto de Engenharia, a situação crítica de 2005 tinha se agravado. Preparei então uma palestra que proferi em diversas oportunidades: no próprio Instituto de Engenharia, no Clube dos Empreiteiros, na FIESP, na Escola de Engenharia de São Carlos da USP, no Instituto de Engenharia do Paraná e outras entidades de relevante importância.

O título da palestra era: “ABASTECIMENTO DE ÁGUA – A PRÓXIMA CRISE”.

Resumidamente, enfoquei a substancial dificuldade para resolver o problema. Há a questão social decorrente do célere crescimento da população urbana: entre 1950 e 2009, a população urbana brasileira saltou de 20 milhões para 150 milhões de habitantes cujo atendimento em serviços públicos dificilmente poderia acompanhar satisfatoriamente a demanda súbita. Há a questão econômica referida ao suporte para a implantação de melhoramentos: uma necessidade de inversões da ordem de 200 bilhões de dólares em 10 anos para atingir uma boa qualidade no serviço de água e esgoto. Há ainda uma enorme dificuldade estratégica: como incrementar 5% do PIB ano após ano, além do crescimento vegetativo da demanda. É uma situação desalentadora: há 5 anos nosso PIB cresce menos de 2% ao ano!

Na sequência, abordei a questão da responsabilidade. É o Município o responsável constitucional pelo saneamento básico, devendo prestar os serviços públicos de modo direto, através de autarquias ou empresas públicas, ou através de concessões à iniciativa privada.

Fiz uma retrospectiva histórica. Em 1969, ante o explosivo crescimento da população urbana, o Governo Federal implantou o PLANASA – Plano Nacional de Saneamento, destinado a financiar as obras necessárias, utilizando recursos do BNH – Banco Nacional de Habitação e recursos abundantes oferecidos pelo BID e pelo BIRD. Criaram-se as importantes companhias estaduais para a gestão do PLANASA, às quais a grande maioria dos municípios aderiu, a ponto de ainda hoje, haver a errônea percepção da população que a responsabilidade pelo serviço seja dos Estados.

Em 1986 o BNH foi extinto e o PLANASA sucumbiu, pois seus ativos foram transferidos para a Caixa Econômica Federal, tudo inserido em profundíssima crise econômica do país, como bem ilustram os seguidos “planos econômicos” criados para debelar a incontrolável e crescente inflação que chegou a atingir 80% ao mês em 1990.

O estado-empresário entrou em colapso, devido a dificuldades gerenciais decorrentes do absenteísmo cultural, da descontinuidade administrativa, do descompromisso da “máquina pública”, do “inchaço” do contingente de funcionalismo por ações clientelistas. No bojo dessas mazelas, avançou energicamente o relaxamento da gestão dos serviços devido à prática eleitoreira dos governos em operar os sistemas com tarifas paternalistas, insuficientes para o custeio do atendimento e, evidentemente, para novos investimentos. Não será excessivo mencionar possíveis desmandos e atos corruptos, como coadjuvantes nefastos no malogro da atuação governamental na prestação de serviços públicos e na condução de empresas estatais.

O fato é que em 2009, quando fiz a palestra, já tinham se passado 30 anos quase sem investimentos no setor de água e esgotos. E nestes últimos 5 anos, chegados que estamos no ano de 2014, perdura essa lamentável situação.

Os governos não puderam, ou melhor, não quiseram compreender que há 30 anos já vivemos, mundial e globalizadamente, economias regidas por sistemas de mercado.

Dizia então e repito agora, que “sem investimento, serviços públicos não existem e, sem remuneração adequada, serviços públicos não subsistem”. Simples assim! O fundamento desta assertiva está na gestão, boa ou má, do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Quando ocorre o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, o empresário privado ou quebra, ou sai do mercado. A empresa pública ou o governo em situação análoga, age do modo mais perverso possível: sonega o serviço! 

Reflitamos em outra postura tentada em 1995 em busca de trazer novos ares à questão da água e esgotos: a lei de concessões nº 8.987. Imaginou-se certamente que haveria significativa e rápida “corrida” de empresários privados dispostos a investir no setor, operando os sistemas. Foi desanimador: o particular foi afugentado por aspectos ideológicos equivocados, quanto à honesta gestão privada em serviços públicos. Houve intensa reação corporativa dos quadros funcionais das autarquias e empresas públicas, querendo apenas preservar seus empregos. Políticos lutaram por uma “reserva de mercado” para as companhias estaduais. Após 19 anos de vigência da lei de concessões, em apenas 70 municípios existe a gestão privada, plena ou parcial, do saneamento básico. Apenas 4% da população brasileira tem sistemas de água e esgotos operados pela iniciativa privada. Raciocinemos: mesmo que se removam os entraves à participação privada no setor, dificilmente esse atendimento ultrapassará a casa de 15% da população. Portanto, enquanto se desenrola a discussão do falso dilema “público ou privado”, os governos continuaram descuidando, ou não podendo cuidar, dos investimentos no saneamento básico na parte que, inexoravelmente lhes cabe: prestar estes serviços a 85% da população brasileira.

Não nos delonguemos, sob pena de digredir.

O PLANASA, de 1971 a 1985, investiu pesadamente na prioridade do abastecimento de água. Daí por diante, muito pouco foi feito. Como soe acontecer, os planos de engenharia utilizam horizonte de projeto de 20 anos. Raramente estendem-no a 30 anos. Ora, os primeiros sistemas de água, implantados em 1971, tiveram seu horizonte alcançado em 1991. Os últimos trabalhos feitos pelo PLANASA, em 1985, atingiram a vida de projeto em 2005. Por notória falta geral de investimentos em expansão, melhorias e manutenção nas obras e instalações, pode-se perceber que todo o abastecimento de água brasileiro está severamente comprometido, seja pelo sucateamento do sistema, seja pela insuficiência de oferta de água a populações que já superaram aquelas previstas para os anos de 1971 a 2005.

Daí nosso alerta de 2005: “ABASTECIMENTO DE ÁGUA – A PRÓXIMA CRISE”.

O colapso chegou. Mesmo que não tivéssemos a severa seca 2013-2014, o colapso do abastecimento de água em São Paulo teria ocorrido. Gasta-se mais água que aquela regularizável nos sistemas projetados para a população de 1991 a 2005. Apenas novos sistemas, importando águas de outras distantes bacias poderão resolver o mega-problema. E o que é mais lamentável: precisaremos pelo menos dez anos para planejar, projetar, executar e iniciar a operação das novas obras, a partir de decisão tão difícil, morosa pela circunstância.

São Paulo, 27 de abril de 2014.

Prof. Eng. Aluizio de Barros Fagundes, MSc.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Sobre a Mobilidade Urbana da Grande São Paulo

A análise do problema da mobilidade urbana de qualquer cidade, particularmente se esta tiver as dimensões da metrópole de São Paulo, passa inevitavelmente pela análise da geomorfologia local.
 

Cidades em terrenos planos ou levemente ondulados propiciam, e geralmente têm, o entramado viário bem esquadrejado, possibilitando aos governantes, e aos próprios munícipes, a formulação de rotas alternativas de locomoção de superfície. As linhas de metrô podem ser paralelas, sempre deixando os passageiros a distâncias razoáveis de qualquer ponto da cidade. Tudo é muito mais fácil. Porém, em localidades de relevo acidentado, como é o caso de São Paulo, ocorrem os obstáculos geográficos a vencer: espigões e vales, com todas as dificuldades de projeto quanto ao paralelismo das vias públicas e à implantação de túneis para o metrô.
 

Em Nova York visualizamos um tabuleiro de xadrez. Em São Paulo, uma intrincada teia de aranha. Outro aspecto fundamental é a correta modulação do transporte, coletivo e individual, e seu dimensionamento, evidentemente vinculado ao uso e ocupação das áreas circunstantes, de que resultam as análises dimensionais das vias. Também aqui cabe uma reflexão. A saturação do tráfego na metrópole de São Paulo – e em outras cidades – decorre de uma sensível melhora do poder aquisitivo da população brasileira nos últimos cinco a 10 anos. Qual planejador urbano há 20 ou 30 anos pôde imaginar que o homem comum da população viria a adquirir um automóvel à razão de 10.000 unidades por dia? Neste passo, quem poderia imaginar congestionamentos do tráfego de Brasília naquelas amplas e bem traçadas avenidas e respectivas interconexões? Pois aí está um tema ainda pouco explorado: o crescimento da economia é, de fato, interferente com a demanda de espaço para circulação do tráfego urbano.
 

Com relação a São Paulo, ainda temos que observar os problemas de drenagem pluvial urbana. Além da significativa influência da impermeabilização superficial do solo na redução do tempo de concentração dos deflúvios, temos que observar que as principais vias de escoamento do tráfego estão nos fundos dos vales para onde escoam celeremente as águas das chuvas. Não é apenas nas avenidas marginais dos rios Pinheiros e Tietê que, assim, ocorrem os grandes alagamentos causadores dos monumentais congestionamentos nas estações chuvosas. Também os afluentes são ladeados por avenidas de grande circulação, tais como o Tamanduateí, o Ipiranga, o da Traição, o Aricanduva, só para citar alguns.
 

Em resumo, os fatores condicionantes de planejamento, projeto e obras viárias de São Paulo são hoje muitíssimo mais severos que aqueles de meados do século passado, quando foi elaborado o exemplar Plano Metropolitano de Desenvolvimento Integrado que foi o paradigma das grandes intervenções na região. Hoje São Paulo, com sua pujança e notável riqueza, não pode ser tratada com paliativos ou obras isoladas. Há que se investir maciçamente nas soluções de seus problemas, porém de modo planejado, considerando a interrelação das atividades da cidade do século 21. E não podemos esquecer que plano ou projeto, se for de engenharia urbana, não pode se restringir ao simples lançamento de ideias, mas seguir preceitos corretos da técnica, para que se saiba o que fazer, quando fazer e por quanto fazer.

Prof. Eng. Aluizio de Barros Fagundes
 

Artigo publicado no editorial da Revista ENGENHARIA n.º 609